Vanessa Cardoso Carneiro – Administradora e Psicóloga

Transição de carreira depois dos 50 anos

Eu vou começar com Lacan. Sim, com o Psicanalista Jaques Lacan. Não que Freud nunca tenha teorizado a respeito da falta, mas porque foi ele quem melhor a definiu.  Lacan primeiro designou uma falta de ser: o que se deseja é o próprio ser. ” O desejo é uma relação do ser com a falta. A falta é a falta de ser propriamente falando. Não é a falta disto ou daquilo, mas a falta de ser pela qual o ser existe” (Seminário: O Ego na Teoria de Freud e na Técnica de Psicanálise).

Sim, eu poderia ter escolhido uma linguagem não-psicanalítica para falar de transição de carreira, porém nada mais poderia nos auxiliar de forma tão eficiente na compreensão do sujeito desejante quanto a Teoria da Falta (e do Desejo) de Lacan. Não pensem que estou aqui apenas embaralhando as palavras com o objetivo de turvar a sua compreensão, pois o que pretendo dizer é do campo do Eu (ego).

Desde pequenos somos confrontados com o nosso desejo. Veja que essa será uma das perguntas mais difíceis para se responder na vida e perceba, anos mais tarde, como ela pode perfeitamente ser utilizada pelo seu terapeuta durante uma sessão de análise: o que você quer ser quando crescer? (ou seja, qual é o seu desejo?)

É claro que algumas pessoas, desde muito pequenas, já sabem qual profissão almejam exercer na vida adulta, conquistando diplomas e carreiras de forma precoce, sem titubear e sem mudar o foco profissional durante toda vida. É possível também que essa escolha profissional esteja atrelada ao desejo dos pais, à tradição familiar, ou ainda, ao interesse econômico e social associado à determinadas profissões. Outros, porém, podem mudar de profissão uma ou mais vezes ao longo da vida.

É importante mencionar que a migração entre carreiras não está exclusivamente associada à obtenção de títulos de graduação ou de pós-graduação. Serena Willians, por exemplo, considerada uma das maiores e mais vitoriosas tenistas da história, criou um fundo de apoio às mulheres empreendedoras ao redor do mundo e investe seu nome e sua fortuna para que os projetos dessas mulheres possam se realizar e obter lucros. Ela já dedica boa parte do seu tempo a esse projeto e ao estudo de finanças e de mercado de capitais.

Retorno a Lacan para reforçar a compreensão de que o desejo é a falta de ser porque o sujeito dessa oração ainda não é. Ele deseja, ele busca o que ainda não encontrou. Lacan faz uso da metonímia para dizer que o desejo é um sinal de incompletude. Em outra via, quer simplesmente dizer que o sujeito incompleto deseja.

Perceba que estou me valendo de Lacan não apenas para falar sobre escolhas profissionais, mas para dizer que essa falta é que nos movimenta na vida, no amor, na direção dos afetos e nos relacionamentos.

Sendo assim, podemos pensar que o sujeito que deseja transitar entre carreiras é também, mas não exclusivamente, aquele que em algum momento sentiu-se incompleto ou simplesmente entediado com a sua profissão. Esses sentimentos podem ter ocorrido em situações de instabilidade financeira ou mesmo de irrealização profissional, sob o comando de uma chefia ruim ou submetido a um plano de carreira e benefícios deficientes, momentos propícios para a produção de uma sensação terrível, a de frustração. Todavia, é bom lembrar que é justamente essa frustração que faz com que o sujeito psiquicamente são se movimente em busca de realização e da almejada completude, buscando o encontro com uma atividade significativa para si.

Um aspecto interessante nesse contexto é que a transição entre carreiras pode proporcionar acesso a nichos de mercado em ascensão, aproximando o sujeito de novas tecnologias e experiências profissionais, realização pessoal, como também de novas conquistas financeiras, por exemplo. Por isso, é razoável pensar que a escolha de uma carreira não precisa ser permanente.

Aconselho que, antes de se comprometer com uma nova carreira, faça um plano, desenvolva um cronograma, e ainda, que siga os seguintes passos para se preparar: Identifique suas habilidades “transferíveis” de uma carreira para a outra; pesquise o setor escolhido e descubra quais de suas habilidades e pontos fortes existentes se aplicam a ele; determine as habilidades do tipo hard skills (difíceis) que sua nova carreira exige e comece a desenvolvê-las; talvez precise aprender a usar determinado software ou obter uma certificação profissional, como aquelas emitidas por associações específicas para atuação no mercado de capitais, por exemplo; avalie se você vai precisar cursar uma nova graduação ou se um curso de pós-graduação será suficiente para chegar onde você deseja; não deixe de fazer os cursos do tipo educação à distância (EAD) dentro das áreas de conhecimentos específicos da nova carreira; identifique pessoas bem-sucedidas no mercado e tente descobrir o que elas fizeram para estar lá.

A respeito da minha experiência pessoal com o processo de migração de carreira, posso dizer-lhes que parti da administração de empresas para a Psicologia, movida por meu trabalho na área de gestão de pessoas dentro do serviço público. Após concluir alguns cursos de especialização em ambas as áreas e de algumas horas de divã (sim, eu passei por um processo de análise pessoal com um psicanalista Lacaniano), eu decidi partir para atuar na clínica psicanalítica. Esse foi um processo de experiência profissional bem-sucedido, principalmente durante o período da pandemia da Covid-19. E foi assim que por alguns anos eu consegui atuar na área de gestão de pessoas e paralelamente na clínica, sem prejuízo para nenhuma das áreas.

Próximo ao final do período pandêmico e de mudanças de gestão, passei por um processo profissional difícil pois havia perdido a chefia que ocupava no serviço público. Meu salário foi negativamente afetado. Foi um período de frustração, mas também de recomeço. Comecei então a questionar para onde mais eu poderia apontar o leme. Algumas portas se fecharam, mas outras permaneciam abertas. Nesse processo, eu ainda não havia percebido que a bússola há tempos apontava para um norte, o da previdência social.

Esqueci de mencionar que a minha vivência na área de gestão de pessoas no serviço público já havia me aproximado da previdência, tanto do regime geral quanto do regime próprio de previdência social. Eu fazia parte do Conselho Municipal de Previdência. Nessa condição, precisava melhorar minha atuação no Conselho e as exigências legais impostas pelo Ministério da Previdência Social me obrigaram a ingressar no universo do mercado de capitais para que pudesse aprovar a política de investimentos realizados pelo instituto de previdência municipal.

Imaginem o tamanho do desafio. Eu era Administradora e Psicóloga, apaixonada por Freud e Lacan, e de repente precisava compreender siglas como PIB, IPCA, SELIC, ALM, FI, FIC, LFT, NTN-B, BDR e outros tantos utilizados nesse meio. Eu estava diante de duas novas linguagens: o financês e o economês.

Compreendi que precisava acrescentar novos saberes à minha linha profissional. Então, quando eu consegui obter aprovação na minha primeira certificação de mercado de capitais, o CGRPPS, o desejo por mais desafios foi aumentando e foi exatamente nesse momento que entendi que eu precisaria fazer uma guinada no rumo profissional que havia tomado até ali. Depois desse insight, larguei a clínica e aos 51 (cinquenta e um) anos me matriculei imediatamente no curso de Direito, já que o estudo da previdência social é matéria dessa área do conhecimento. Não que a Psicologia não pudesse dialogar com a previdência, mas eu entendi que para me aprofundar no tema e acessar cargos públicos nessa área eu precisaria ter formação em Direito.

Vale a pena mencionar que logo depois dessa decisão uma nova oportunidade de trabalho surgiu, desta vez relacionada à previdência complementar, a terceira via no tripé da previdência social brasileira. Bingo, eu havia feito a escolha certa!

A esta altura, posso dizer-lhes que meu currículo profissional recebeu uma nova carga de cursos e eventos, sem desprezar todo o caminho já percorrido. Ampliei o meu networking. Atualmente toda a minha atenção e esforço estão voltados para esse campo de atuação, desde cursos EAD até os congressos de que participo. Hoje, costumo dizer que sou uma profissional da área de humanas com foco em previdência. Entendo que a decisão mais importante que tomei nesse caminho foi a de manter o foco no objetivo. Ter feito análise me ajudou a reconhecer a minha própria falta e a identificar o meu desejo.

Isso não quer dizer que seja fácil, ao contrário, se você estiver pensando em fazer uma transição de carreira, prepare-se para passar anos aprendendo sobre seu novo caminho e ganhando experiência antes de atingir seus objetivos. O avanço na carreira é um processo gradual, então seja paciente, escolha o seu foco e faça o esforço necessário para ter sucesso nela.

 

 

 

 

 

Autora: Vanessa Cardoso Carneiro.

Currículo: Servidora Pública. Administradora. Psicóloga. Esp. Em Administração Pública (UFAM). Esp. Em Clínica Psicanalítica (ULBRA). Certificada CGRPPS e CPA-10. Conselheira Titular do Conselho Municipal de Previdência – CMP/Manaus Previdência. Chefe da Divisão de Acompanhamento de Pessoal e Gestão de Benefícios/SEMAD. Graduanda do curso de Direito do Instituto Amazônico de Ensino Superior – IAMES.

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